Ensaio aberto de Palavra de Stela conta com participação de Alexandre Saadeh

Alexandre Saadeh e Cleide Queiroz (Crédito: João Caldas)

Por Alexandre Saadeh

As palavras de Stela registram toda a ânsia e vigor vital de alguém que poderia ter desaparecido ao longo dos anos e da internação em um manicômio; algo tão comum até os anos 80 do século XX no Brasil.

O monólogo revela o sentido poético e a degradação de seu pensamento ao longo do tempo. Sim, a esquizofrenia aniquila e degrada, aos poucos, o que podemos ter de melhor. A peça nos mostra isso, a verdade da evolução durante três décadas de uma mulher com esquizofrenia. Seus arroubos, suas explosões, as crenças, delírios e afetos. Seu empobrecimento ao longo do tempo, seja pela doença, seja pela internação em manicômio, ou os dois.

Nada é simples na esquizofrenia e sempre suspeito dos que falam dela com romantismo ou com simplicidade. É um desafio a ser enfrentado junto com o esquizofrênico, não num depósito de pessoas, sem singularidades, mas sim num propósito de resgate e tratamento, o que pode ser feito em um CAPS ou, se necessário, num Hospital Psiquiátrico. Mas sempre voltado para a singularidade e necessidade daquela pessoa.

Sim, há diferenças gritantes entre manicômio e hospital psiquiátrico… num, teremos um compromisso de melhora, acompanhamento, tratamento; no outro, um compromisso com o esquecimento, abandono. Reconhecer a validade da internação em um local compromissado com o indivíduo, não é uma questão de enfrentamento, mas de pluralidade de atenção conforme a necessidade da pessoa a ser internada, acompanhada. Não podemos olhar apenas para a ideologia que nos move, mas além dela, para as necessidades específicas das pessoas. E sim, ainda hoje necessitamos internar pessoas em hospitais. Sejam psiquiátricos, sejam de ortopedia, pediatria, clínica médica ou cirurgia. Tem de ser hospital de verdade e não uma versão falsificada de um lugar que existe para ajudar o outro a reencontrar sua saúde, inclusive a mental.

As palavras de Stela, no plural mesmo, dizem isso o tempo todo; sua necessidade de ser ouvida e reconhecida. Com poesia sempre. E afeto. Palavra de psiquiatra!

Alexandre Saadeh é psiquiatra, psicodramatista, Médico supervisor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e Professor Doutor do Curso de Psicologia da PUC-SP.

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